Diante
de uma moeda pensamos no processo de cunhagem, como se faz, quais as
ferramentas, quais os materiais, quais os procedimentos, quais as etapas de
trabalho. Processo concluído, a moeda ali está, pronta, redondinha, apta a
correr de mão em mão, apta a entrar em
circulação. Sem o saber acumulado desse processo de cunhagem, das etapas e
processos, do tratamento dos materiais, o produto final seria a moeda tal qual
a conhecemos? Não. Da mesma forma, o historiador não seria historiador se antes
mesmo dele próprio não se constituísse o método histórico. Como pode formar-se
um profissional de história sem que lhe dêmos as ferramentas? E o que são essas ferramentas se não o
método? Da mesma forma que não há pedreiro sem régua de nível, médico sem
estetoscópio, advogado sem códigos de leis, ou
pintor sem noções básicas da cor, não existe historiador sem método. Só
pelo método o historiador é capaz de cunhar seu trabalho, de conferir-lhe razão
e identidade. Pelo método logra realizar um trabalho científico e
historiográfico, pronto, redondinho, apto a correr de mão em mão, apto a entrar
em circulação. Mas só pelo método. Sem método seu trabalho seria outra coisa.
Literatura talvez. Ou nem isso, pois a literatura, como todos os trabalhos,
obedece a uma metodologia. Camões não escreveu os “Lusíadas” sem prestar
atenção à métrica. Suassuna não escreveu o “Auto da Compadecida” sem se ater a
uma rigorosa construção dos personagens apoiado na literatura popular
nordestina. Cervantes não escreveu “Dom Quixote de La Mancha” sem uma pesquisa
de fundo dos romances de cavalaria.
O
método histórico é o elemento fundante e constituinte da profissão historiador.
Sem os elementos participantes desse método, análise e síntese, por certo não
faríamos história nem produziríamos qualquer historiografia. Aí, sim, seria
adequado dizermos que a história não seria mais que uma espécie de “ficção
controlada”, completamente sujeita à arbitrariedade de nossos juízos e
julgamentos e ao nosso gosto retórico. Por isso, devemos reverências aos
participantes da escola metódica surgida no século XIX, pois é a partir deles
que se dá um caminhar da história rumo à cientifização. São eles que promovem o
surgimento de métodos de pesquisa em história e alavancam uma maior dedicação
ao trabalho e análise das fontes documentais. São eles também que promovem uma
ruptura com a literarização da história, buscando uma maior fidelidade aos
eventos, longe de quaisquer participação imaginativa dos historiadores e de seus
sistemas de referência e códigos de valores. Claro que o extremismo metódico,
ressalte-se, como qualquer espécie de extremismo, tem suas implicações. No
caso, estaríamos talvez incorrendo na produção historiográfica fria e sucinta,
descritiva de um rol de datas e eventos e desprovida de qualquer tentativa de
entendimento. Mas isso é outra história. O que interessa aqui destacar é o
papel primordial do método quanto à profissionalização do historiador. E nesse
campo podemos indagar-nos o que seria da história se não tivesse, com a ajuda
das ciências auxiliares, enveredado por um caminho de análise, externa e
interna, dos documentos, se não tivesse se questionado quanto à origem das
fontes, se não tivesse encetado as mais trabalhosas pesquisas.
O
método histórico é que fez do historiador um ser importuno, insistente, rancoroso
e fiel, como bem o escreveu Drummond. O método histórico não é apenas uma
ferramenta, é um elemento basilar da profissionalização do historiador e da cientifização
e institucionalização da História. Afinal, como seria possível
institucionalizar uma profissão que não se ativesse a uma metodologia? Como
seria possível nos autodenominarmos historiadores se cada um produzisse a seu
bel-prazer, sem atenção ao método e a qualquer referência teórica e conceitual?
Em suma, o método histórico é estruturante, profissionalizante, cientifizador, essencial. Sem método não existe profissional de história. Sem método não existe historiografia, válida e senhora de dignidade científica. Em última análise, a função do método histórico na formação de profissionais em História é pedagógica e orientadora na práxis da pesquisa e do ensino-aprendizado.
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